segunda-feira, outubro 31, 2005

COISAS QUE (AINDA) NÃO ENTENDEMOS

Na recém criada seção “Coisas que não entendemos” dessa semana, falarei de um dos grandes clássicos contemporâneos da música pop brasileira: Hyldon, em seu clássico “Na Rua, na Chuva, na Fazenda” (com letras maiúsculas conforme manda a gravadora).
Não, essa música não é do Kid Abelha! Nem daquele cara que tocou sábado passado naquele barzinho em que você estava. Trata-se do grande sucesso do Hyldon, compositor baiano dos anos 70, da mesma leva de Tim Maia, Cassiano, e uma então soul-music brasileira.
Pois bem, todos vocês devem se lembrar da música, ou ao menos saber a letra de cor. É justamente aí que está o problema, a letra da música, já que os acordes seguem aquela velha cadência menor do tipo B-29. Na letra, ocorrem as mais diversas dúvidas conceituais, desafiadoras da razão, imaginação e mesmo a licença poética moderna.
Vamos ao trecho mais grave da canção:
“jogue suas mãos para o céu, e agradeça se acaso tiver, alguém que você gostaria que, estivesse sempre com você, na rua na chuva na fazenda, ou numa casinha de sapê”
Pensemos juntos agora:
1- “jogar as mãos para o céu”: o autor quer entrar em contato com o Criador, isso é claro, mas porque desta maneira tão mórbida? Ora, jogar significa lançar um objeto em direção a algo, e nesse caso as mãos de Hyldon ainda estão presas ao corpo (ele tocava violão nessa época), o que torna tal situação insustentável, pois a morbidez não faz parte de uma música de amor. Sugiro “levante os braços...”!
2- “na chuva, na rua, na fazenda”: não faz o menor sentido! Chuva é uma situação, rua e fazenda são lugares. É claro que o autor quer provar que faria amor loucamente com sua amada em qualquer situação, mas essa gradação de substantivos está em colapso! Chuva não é lugar, e não pode vir seguida de uma palavra que exprima lugar, senão o ouvinte fica confuso, perguntando a si mesmo “será que existe uma rua chamada Chuva?”, ou “rua é uma forma de efeito climático criado pelo efeito estufa?”. Assim fica difícil!
3- “....ou numa casinha de sapê”: Admira-nos a volatilidade de Hyldon em relação aos seus locais de fetiche sexual. Da rua e o perigo iminente, ele vai para fazenda e o contato direto com o mato e carrapatos, para então partir para a longínqua casinha de sapê! Porque ele não vai para uma casa de tijolos dentro daquela fazenda? Ou será que nos anos 70 existiam casas de sapê ao lado de frondosas fazendas? Hyldon se perde novamente em palavras jogadas ao vento...
4- “alguém que estivesse sempre com você”: depois de toda essa confusão, o autor quer levar os demais para o triaton rua-fazenda-casinhadesapê (sempre regado à chuva; ou não?), achando que essa prática urbana, rural, de clima equatorial e vanguardista, é perfeitamente natural. Quer levar outros para o mau caminho, Hyldon? Mensagens subliminares? A serviço do Regime Militar? então acabamos de encontrar o colega esquecido de Wilson Simonal nos bares, samba, delação e tudo mais!
Há outros casos como “gostar de quem num gosta de mim”, que demonstram certa demagogia amorística fajuta, o que no entanto pode ser facilmente encontrado em todas as músicas do Jota Quest, e também no pagode, música sertaneja, axé...
Os problemas mais graves são aqueles demonstrados acima, sem solução aparente. Alguma sugestão? Medida legal, jornalística ou física? O que fazer, frente a este impasse?
Reze ao Aleatos. Ou ao Mobutu, já que são manifestações musicais, e Mobutu é senhor das guerras e das demandas. Musicais, claro.